DEDICADO AO AMIGO CAMINHADOR ANTÓNIO FAZERES
Quando
levantei a câmara para o céu, nem queria acreditar: uma carocha
tão minúscula como uma escama de caspa, em desatinadas corridas
pelo relevo das nuvens,
entenda-se, por uma das superfícies óticas da nikon. Mas qual?
Talvez pela objetiva, foi o que me ocorreu.
Mas
quando me fixei na observação da lente, logo me apercebi de como
aquela suposição se revelara infrutífera. Salpicada por uma ou
outra partícula de pó, nenhuma
delas poderia passar por um organismo vivo e, de mais a mais, tão
animado como um daqueles
vorazes
glutões
que entram nos jogos eletrónicos.
Mas
por que não terei optado, de imediato, pelo visor da
câmara, terreno, porventura, bem mais propício ao acolhimento
daquele ser quase imperceptível?
O
certo, é que também aí, não encontrei o mais ténue sinal de
vida.
Que
diabo, exclamei, enquanto
admitia que
algum sopro de ar ou gesto meu tivesse já
sacudido
aquele monstro para o
cosmos
abissal da Avenida da Ribeira das Naus por onde me passeava com a
câmara.
E
para me certificar da validade desta hipótese, voltei a apontar a máquina para as nuvens, acabando por deparar com a presença do
animal, ainda mais
elétrico do
que antes, descrevendo
circuitos retilínios em todas as direções como se intentasse
despistar um obstinado perseguidor.
Eureka!
Mas por que não me tinha ocorrido inspecionar prioritariamente a
lente traseira da 28mm ?
Mal
contendo a ânsia de esmagar aquele vil hospedeiro, tinha por certo
que, desta vez, haveria de acertar na muche.
A
verdade é que, de novo,
as
expectativas saíram
goradas.
Entretanto,
com a
minha impaciência a crescer face às
defraudadas
buscas, cheguei
mesmo a admitir que tudo não passasse de um animal,
sim, mas acantonado estritamente na minha cabeça.
Mas não. Ao apontar de novo para o céu haveria
por surpreender através do visor da câmara, aquele
óvni
a correr,
estonteado,
por entre as nuvens.
É
então que saco a objetiva
do
corpo da câmara para analisar o
espelho refletor e, de
seguida, a tela translúcida onde, pasme-se, acabaria
por surpreender uma espécie de poeira a rabiar de um lado para o outro.
Não
havia dúvida. Tinha achado o animal. Era aquilo! E
desta feita, só
precisaria de desferir,
com o dedo indicador umas cegas, contínuas
e enraivecidas pancadas na tela despolida até o bicho
ir
ao tapete para
nunca mais se
levantar.
E
foi o que fiz, após ter-me apercebido de que a acção de morticínio em vista, só poderia ser levada a cabo depois de remover
cuidadosamente a tela, já que o dito micróbio se encontrava na sua face posterior.
Finalmente,
nunca como nesse dia, e após a operação de limpeza, as nuvens me pareceram tão convidativas a uma
flutuação pelo ar.
Assim como se faz com uma embarcação à vela, e o vento de feição.
Assim como se faz com uma embarcação à vela, e o vento de feição.
O que fica provado à saciedade é que tens mundo interior e exterior suficientemente rico para caminhares sem companhia, dito de outro modo: as más companhias não te deixam ver as portentosas feras no coração da máquina ou então são elas que "feerizam" o espaço de tal maneira que mais nenhuma fera tem ordem de existência.
ResponderEliminarContudo nem tudo é negativo nas caminhadas acompanhadas, virado para o exterior, pela presença do outro, lá se vai lembrando de obturar uma aqui outra ali e, embora raras vezes, algumas vão trazendo lugares de valer a pena para a ribalta do olhar.
Fotografador ou palavrador eis a questão? Alguns amigos gostam de entremeada, aliás escolhem sempre que há entremeada esse lugar saboroso para morar os dentes e as exigentes papilas gustativas. Pois esses amigos, e uma vez que não são totalmente destituídos, talvez tenham razão: entremeie quando quiser e como quiser, mas entremeie, os fotoleitores e os fotofaladores agradecem. E já agora caminhe até que o olhar lhe doa e que as mãos de tão tingidas se confundam com um tinteiro