quinta-feira, 30 de abril de 2015

Sáveis


Tão horríveis



Tão horríveis eram aqueles retratos - pensava- que só não se desfaziam deles por recearem ser bafejados com algum sopro fatal e arrastados depois pelos cabelos até ao fundo das trevas ...

De outro modo, e estando todos mortos há muito, por que haveriam de continuar expostos nas paredes, mesinhas de cabeceira e cómodas assim de pé como lápides sepulcrais?





domingo, 26 de abril de 2015

De repente, gritava-se


                                                                                            
                                                                                                       


quinta-feira, 16 de abril de 2015

Par



Era tão velho que achava ter sempre razão. Ao contrário de mim, que continuava a levantar dúvidas sobre uma boa parte das coisas, com respostas há muito encontradas.



terça-feira, 14 de abril de 2015

O patrioteiro



O patrioteiro que saíra para a minúscula europa, lambia-se com o cherne; o que ficara no Bairro, lambeava-se com a sardinha que - dizia - era boa apenas quando os tomates começavam a alourar nas searas.  

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Parece fim de dia



Parece fim de dia, mas não. É princípio de tarde, com mulheres, crianças e cães abrigados na sombra de um sobreiro. Assim, a hora mais tardia não passa de uma ilusão; de um jogo desajeitado, feito a partir de dois ou três cursores, que movo para montante ou jusante de mim.

O avanço da hora resulta, pois, de uma mera manipulação; de um ilusionismo informático; de um truque abusivo, já que a luz revelada na imagem subverte a do instante do disparo!

Dito de outro modo: a ficção apressa a noite, enquanto toma dianteira à realidade!


sábado, 11 de abril de 2015

Vila Franca de Xira


Ao António Flor, a quem não telefonei...

Caminhando


O peixe vai na rede, e não tarda a subir ao palato e depois às nuvens. Tudo para que se cumpra o ciclo da água na terra, e a chuva caia sob a forma prateada das escamas. Apenas há que acender o lume!


domingo, 5 de abril de 2015

Dada a ordem aos caminhantes



                                       Ao amigo António Marrachinho


Dada a ordem aos caminhantes de estacarem, ainda presumi que tal se devesse à súbita aparição de um arguto felino de médio porte, de um réptil a digerir um incauto roedor ou à ameaça de uma ave de rapina a picar sobre as nossas inocentes cabeças; mas sequer de uma ibis, garça real, pernilongo ou esquadrão de esbeltos e rosáceos flamingos se tratava.

O objecto causador daquele stop instantâneo, não passava afinal de uma ave minúscula a que o guia deu nome, sacudindo-se no topo de um caniço e que o contraluz tornava impossível de vislumbrar a cor da sua plumagem.

Mas fosse qual fosse a espécie, a sua estatura era tão minorca como o mais comum dos pardais que, a par das flosas, pintassilgos, piscos e toutinegras, foram alvo da minha mira certeira juvenil: tanto à fisga como à pressão de ar, que o uso de armadilhas, com a formiga de asa como isco, não dava comigo.

Tão amante fervoroso de imaginários safaris, quanto vil opositor de subtis dietas vegetarianas, como poderia hoje ceder ao exercício ascético e contemplativo das avezinhas, em detrimento de uns passarinhos na frigideira, temperados com azeite, sal, alhinho e louro?

Mesmo que tenham feito “os ninhos com mil cuidados”, para o odioso selvagem que fui, tarde demais!


E a cada página folheada



                     Ao amigo e colega de trabalho, Rui Fabião: imagem e texto.



E a cada página folheada, um morto e outro e outro morto. Uma sucessão quase imparável, interrompida apenas quando a foto é de uma criança, jovem mulher ou homem, e que hoje estão bem, mal, assim assim na vida.

Mas estes, os vivos, contam-se pelos dedos, que os retratos tirados há cerca de uma década foram quase todos a velhos, bem mais numerosos na aldeia. Muito mais.

E penso como se nunca tivesse pensado antes: a morte não tem fim. Está sempre em marcha e vem aí....

Depois, fecho o livro de fotografias, abandonando-o sobre a mesa, com a contracapa voltada para o teto da casa.  E despeço-me: Adeus!


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