Falar individualmente com gente avulsa, correndo o
risco de não lhe ser prestada uma justa atenção, nunca mais!
Assim, decidiu alugar o anfiteatro do seu bairro para proferir,
daí a uma semana, uma comunicação subordinada ao tema:
“ Instantes decisivos, uma por rolo, mitos e manias”
Embora dotado de facilidade de expressão, sobretudo na
esfera doméstica, à medida que se aproximava da planeada alocução, mais se
acentuava a dúvida se seria ou não a pessoa indicada para a fazer.
E, para agravar mais ainda as suas apreensões, adveio
uma constante má disposição, quebra de apetite, cefaleias, suores, tudo de
acordo com o previsto pelos manuais, salvo o estranho formigueiro no corpo…
Mas tudo aguentou até à data da comunicação, tendo
sido o primeiro a chegar ao anfiteatro, com vista a distribuir por cada cadeira
uma folha volante, mencionando os temas a debater.
Após ter agradecido a presença de todos, logo abordou
a questão do “ Instante Decisivo” conceito, quanto a si, historicamente respeitável,
mas que a era digital levara à falência,
mercê da possibilidade de se efectuarem infinitos
disparos ( aqui exagerou) a uma única cena, o que acabaria por retirar a expectativa da captação do
momento único.
E, como resposta à falta de qualquer reacção na sala,
arrematou com uns decibéis mais acima do que era seu hábito:
“Instante decisivo, só o momento da escolha no repescar
das toneladas de fotos obtidas, digitalmente, num único dia. Perceberam? “
Dito isto, passou a refutar a ideia de que só muito de
longe em longe seria possível obter uma boa foto, considerando tratar-se de uma
crença obscura, tola e passadista, ao não levar em conta as inovações
tecnológicas incorporadas nas câmaras, que acabaram por facultar um maior
controlo do meio pelo operador, aumentando, assim, a taxa de sucesso durante o
acto da captação.
Ao finalizar a abordagem da palestra, deu por
encerrada a sessão, sem deixar de manifestar o regozijo pelos imaginários
aplausos, despedindo-se com um sentido e rasgado agradecimento.
Depois de proceder à recolha, fila por fila, cadeira
por cadeira, das folhas nelas depositadas, expeliu profundamente o ar dos pulmões
como se o mantivesse retido há séculos, encaminhou-se, já com as chaves tiradas
do bolso, para a porta por onde se esgueirou a passo de corrida.
Sem comentários:
Enviar um comentário