Lembro a barbearia da minha infância como se desde então
não deixasse de ter a mesma idade. Da tesoura a esgrimir no ar, a poucos
centímetros da pele; da poeira do cabelo solto. Mas, sobretudo, do grande
desconforto de permanecer séculos numa posição estática, a olhar para nada,
qual estátua desolhada ou, então, quando ao tentar reter outra coisa, me fixava
no espelho a ver-me a mim…
A ver-me ! Como se tal fosse necessário. Como se daí
viesse, o quê? A ver-me! Como se de um retrato, afinal, se tratasse! Mas feito
sem pincéis molhados em óleo ou impresso numa emulsão de sais de prata, em
papel! A ver-me, tal qual eu era, tão
só, e sempre numa posição frontal e demasiadamente próximo de mim. A ver-me ali
visto, da forma mais crua, quase obscena!
Sem haver por
detrás um cenário artificial de um estúdio, uma tela composta por colunas
romanas e formas belas de mulheres junto de redondas arcadas de pedra; ou de uma
paisagem, a sério, à minha escolha, natural, com um pedaço de céu azul, flores,
um regato, uma pastora e cabras; um retrato no espelho a dar-se a ver como é; sem
holofotes nenhuns que pudessem jogar com efeitos de luz e sombra, capaz de polir
algumas arestas; atenuar a presença dos sinais
cutâneos e de outros interiores.
Como o do meu próprio humor, que aflorava à
pele e entrava comigo na barbearia uma vez por mês e comigo saía. Ainda pior!
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