quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Paço de Arcos




Rio Zêzere, parente próximo do Tejo




A avó parece um cartaz




A avó parece um cartaz colado à parede, exibindo uma daquelas pequenas que andam pela rua a publicitar um perfume, uma pasta dentífrica ou coisa assim.

O neto passa por um daqueles bonecos que se colocam em cima da coberta da cama para impressionar as visitas com a arrumação e o esmero da casa.

O único que verdadeiramente se salva é o avô, por não ser visto na foto nem contar mostrar-se nos tempos mais próximos.

Paço de Arcos


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Ação de Limpeza


Certo pintor da minha idade



Certo pintor da minha idade, (mas mais velho do que eu), durante uma monóloga conversa à mesa do café, sobre literatura, artes, religião e vinhos de marca, deixou bem claro o estatuto nobre que confere à fotografia.

A comprová-lo, as duas frases transcritas adiante, ditas por si e por mim anotadas, nas costas do talão de pagamento apresentado pelo empregado de mesa:
  1. Portugal era uma foto mal feita, a preto e branco
  2. Não foi com a máquina fotográfica, mas com os nossos olhos que fiz este desenho. Veja-o! “






terça-feira, 28 de outubro de 2014

Barreiro



O Trabalho


Não basta a expressão do rosto


Não basta a expressão do rosto maquilhado pela dor. Sequer aquela suplicante ladainha, procurando atrair a dádiva de uma moeda, vertida no copo de plástico seguro numa das mãos

Nem o santinho de uma Filomena, Fátima, Rosário, outra qualquer, parece mostrar-se suficientemente persuasivo para suscitar a compaixão.

Daí, o recurso à fotografia representada por retratos de crianças, a cores, encaixilhados em duas molduras assentes no chão e mantidas de pé, contra os joelhos.



Pedia-lhe para ler



Pedia-lhe para ler como um cavalo a trote. Mas ele, não: continuava a dizer os meus poemas, num galope desenfreado.

Então, a partir de certa altura, tomei a decisão de reduzir a dimensão das composições que ia escrevendo.

Mesmo assim, não evitei que acabasse por tropeçar numa palavra, estatelar-se no chão, e nunca mais se levantar.


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Era uma vez a foto de um cavalo



Era uma vez a foto de um cavalo que tinha inscrito, frente às suas patas dianteiras, a assinatura do fotógrafo que o retratara. 

Até que,  certo dia, chegou um senhor de óculos escuros e, rapidinho, pegando numa borracha fez desaparecer a marca autoral da foto.

Entretanto, o equídeo, ocupado como estava em fixar uma égua, rodeada de pequenas margaridas brancas, não deu por isso.


Tão pouco o fotógrafo, que falecera pouco antes do dito senhor ter procedido à sua acção de limpeza.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Barreiro



Ainda tinha familiares em Lisboa



Ainda tinha familiares em Lisboa. Mas sempre que aterrava no aeroporto da Portela, unicamente revisitava a lula gigante, que jaz numa espécie de sarcófago, no Aquário Vasco da Gama, com uma transparência macilenta, própria dos fetos imersos em soluções de formol.

Um gastrópode que encontrara a morte, não logo após a cópula, segundo  os desígnios da natureza, mas no acto de captura levado a cabo pelo arrastão Elizabeth, em 4 de julho de 1972, no exato dia, mês e ano em que ele, o visitante, contraíra o seu primeiro matrimónio.

Um enlace, cuja duração acabaria por não exceder o tempo consagrado à vida das borboletas que povoam o seu quintal. Mas isso é outra história!

Quanto à explicação, que repetidamente o impelia ao contacto visual com aquela tão avantajada lula, não há nada a dizer. Que nunca a revelou a ninguém!

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

As sucessivas evasões



As sucessivas evasões de um vizinho meu, iniciaram-se logo após de lhe terem sido diagnosticadas três hérnias discais lombares, o que o levou à aquisição imediata de uma bem confortável poltrona de pele e motorizada.

O certo, é que a sua vida nunca foi tão animada como a partir daí, sendo raro o dia em que não dispare para qualquer lugar do mundo: Nova Iorque, Paris, Londres, Berlim...

O último alvo foi Tóquio e, apesar de recém-chegado da viagem, enquanto procede ao relato de alguns episódios vividos, não se denota nele qualquer fadiga na voz ou o mais ligeiro sintoma de stress. Na verdade, espanta!

Entretanto, e em particular para meus amigos leitores que se mostram desolados pela curta dimensão das minhas estórias, posso acrescentar o seguinte detalhe:

A cor da poltrona - azul bebé – foi-lhe prescrita pelo seu psicólogo.








quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Seja uma nuvem, uma gaivota




Seja uma nuvem ou uma gaivota; um papagaio de papel 
ou um balão de hélio, solto da prisão dos dedos de uma
criança; uma chuva multicolor de confetis ou de folhas
secasoutonais. Não importa. Que o meu horror ao
vazio está no céu!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Bastaria ao escritor um parágrafo


Bastaria  ao escritor um parágrafo para afundar o Patna ou o navio inglês que permitiu o resgate dos passageiros daquele. Mas em nenhum dos dois casos, tal propósito passou pela cabeça de Joseph Conrad.

Os parágrafos é que fazem toda a diferença nas histórias. Por conferirem um ou outro desígnio, - concluiu o comandante - com um ar de quem acabara de descobrir a pólvora, mas que logo se desfez, mal se pôs a dormir pela noite fora:

sem um único sonho. Sequer um parágrafo de nada.

domingo, 12 de outubro de 2014

Quando o poeta, ao espelho



Quando o poeta, ao espelho, deparou com a avançada idade a que chegara, percebeu porque desde há muito deixara de festejar as primeiras chuvas como a exótica caturra o faz, ao espanejar-se no poleiro implantado na varanda. 

E tão entristecido ficou com a visão de si mesmo, que logo decidiu nunca mais receber os amigos em casa, de corpo inteiro, mas apenas de pantufas:

as de lã, acolchoadas, próprias para o inverno, que a mãe lhe oferecera num aniversário, já bem distante.














quinta-feira, 9 de outubro de 2014

À Pesca da Imagem


Pelo Alto Tejo, os iscos não se podem contorcer nos anzóis. Sequer há lugar para o emprego de cadáveres. A par disso, todo o  peixe, pequeno, médio ou de grande formato, que  abocanhe a "presa", deverá ser restituído  ao meio de onde foi subtraído. Resta saber se tais práticas aplicadas naquela região são anteriores às medidas preconizadas pelo " safer sex".





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