quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Cais de desmantelamento de Alhos Vedros




As falhas de memória cada vez mais profundas que assolam o comandante ocorrem sobretudo depois de verter, diariamente, o que resta no fundo de um Johnnie Walker.
Então, fica sem saber precisar onde está fundeado; se ordenou ou não o arranque da roda de leme para a casa das máquinas; se o porão ainda se mantém abaixo da linha de água e, a par de muitas outras brancas, qual o número de tripulantes que ainda se mantem a bordo.

Mas as mais gravosas perdas de lembrança, dizem respeito às informações contidas no seu  BI, que desde há muito que o perdeu!





Reserva Natural do Tejo



Mas o que ocultaria a cave para o pai a proibir de levar lá fosse quem fosse? Para mim, que chegava a dar crédito às minhas próprias fantasias, teias peçonhentas de aranhas, infestados roedores, lagartos e rãs embalsamados e talvez mesmo uma porção de esqueletos pendurados nas paredes, escarnecendo da imortalidade.

O mistério haveria, porém, por ser desvendado   quando a amiga, não resistindo à tentação da proibida dentada na maçã,  à luz de poucas velas,  acabou por abrir a porta da cave:

Afinal, um pequeno cubículo onde se apinhavam caixas e caixas de cartão, réguas, uma guilhotina, frascos, tinas, pastas de arquivos e, em cima de uma bancada, um estranho aparelho cuja serventia ignorava.

O que mais relembro, porém, foi aquele momento mágico do finíssimo pincel manejado pela amiga sob uma lupa, avermelhando as flores e o telhado de um casebre; azulando o céu e branquejando as acinzentadas nuvens; colorindo esplendorosamente de verde os campos de uma foto, a preto e branco, tirada pelo pai.



Arrialva





Por entre o intervalo das persianas quase corridas, os feixes de luz  projectando-se  numa das paredes nuas do quarto de um segundo andar.

Fotografia ou, mercê do movimento, cinema, com as viaturas ligeiras e autocarros trepando e descendo pela calçada de Carriche, sem faltarem  os apitos das buzinas e as estridentes sirenes  das ambulâncias.

De qualquer modo, objectos tão reais como a realidade exterior, embora sem cor, e com o trânsito virado do avesso.

Como se a minha rua, ao deslizar pela parede do meu quarto, não passasse de uma série de metafóricas imagens do mundo que me cerca.

sábado, 20 de outubro de 2012

Trafaria



Bateu-me à porta para se queixar do cartão de memória danificado, e da perda irremediável das fotos, as melhores que tirara em toda a vida.

Conhecendo a pessoa que, por norma, dispensa ouvir o outro, limitei-me a esboçar uma breve careta adequada à situação prevendo que, deste modo, pouparia tempo aos dois…

Ao despedimo-nos, porém, fui sacudido pela lembrança de uma fatalidade que nunca hei de relatar a ninguém:

a convicção de ter feito, em tempos, um conjunto excepcional de imagens, dando conta  da falta de rolo na câmara um dia depois!


E o que eu carpi, inconsolado, sobretudo em relação à foto verdadeiramente digna de figurar na mais prestigiada antologia: a do cavalo!

Sim, a de um lusitano que, por súbito capricho da bela amazona que o montava, se viu obrigado a estacar num charco de água, salpicando tudo em volta, incluindo a objectiva da câmara, certificando, assim, o instante da acção do fotógrafo na captação da cena.

Desde então, deixei de alimentar quaisquer expectativas de repetir tal proeza, contentando-me com uma ou outra foto ligeiramente acima da mediania.

Entretanto, fica por explicar por que as imagens  perdidas são sempre as melhores.



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