quarta-feira, 7 de novembro de 2012

OIhar




Lembro a barbearia da minha infância como se desde então não deixasse de ter a mesma idade. Da tesoura a esgrimir no ar, a poucos centímetros da pele; da poeira do cabelo solto. Mas, sobretudo, do grande desconforto de permanecer séculos numa posição estática, a olhar para nada, qual estátua desolhada ou, então, quando ao tentar reter outra coisa, me fixava no espelho a ver-me a mim…

A ver-me ! Como se tal fosse necessário. Como se daí viesse, o quê? A ver-me! Como se de um retrato, afinal, se tratasse! Mas feito sem pincéis molhados em óleo ou impresso numa emulsão de sais de prata, em papel!  A ver-me, tal qual eu era, tão só, e sempre numa posição frontal e demasiadamente próximo de mim. A ver-me ali visto, da forma mais crua, quase obscena!

Sem haver por detrás um cenário artificial de um estúdio, uma tela composta por colunas romanas e formas belas de mulheres junto de redondas arcadas de pedra; ou de uma paisagem, a sério, à minha escolha, natural, com um pedaço de céu azul, flores, um regato, uma pastora e cabras; um retrato no espelho a dar-se a ver como é; sem holofotes nenhuns que pudessem jogar com  efeitos de luz e sombra, capaz de polir algumas  arestas; atenuar a presença dos sinais cutâneos e de outros interiores. 

Como o do meu próprio humor, que aflorava à pele e entrava comigo na barbearia uma vez por mês e comigo saía. Ainda pior!

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